A Mulher Cão.
(Sobre um quadro de Paula Rego)
(Sobre um quadro de Paula Rego)
Ela acendeu a brasa do fogão
anos e anos a fio. Esfregou o soalho
lavou a roupa e os vidros
da janela costurou bainhas
descosidas e levou toalhas a cheirar
a rosmaninho à senhora do andar
de cima.
Foi ao quintal buscar hortelã
para a canja e adormeceu ao som
das gargalhadas felizes dos meninos
hoje já todos engenheiros
com a Graça do Senhor.
Agora está atada ao côncavo
da terra por atilhos
grossos. Ladra à lua
e tudo nela
é carne e sangue.
Morde a mão
e dança a valsa
sobre o chão confuso
de algum sonho diluído lá no longe
nos botões do maestro
do coreto aos domingos e feriados.
Ela é grossa e ladra à lua.
Sente o corpo a crepitar
e rasga o coração.
Inesperadamente
entre coágulos de sangue
fala línguas
que nunca ninguém lhe ensinou.
Está atada
à sangrenta forja
das gramáticas lunares e procura
uma palavra
um nome mesmo que obscuro
e difícil de entender.
É uma mulher grossa
e no côncavo do corpo
fala línguas
sem sentido.
Deixou secar os coentros
a salsa e a hortelã.
Chama-se cão e ladra à lua.
Vive atada
às chamas que a consomem.
de: José Fanha, Marinheiro de outras luas
Fonte: baby lónia.
8 comentários:
concidência ou não velho!não sei se tem a ver, mas o cão ta rondando
Agora entendi seu trauma.
Credo! O.o
Será que ainda tem essa guria aí viva rosnando?
Beleza de quadro e de poema. Gostei. Vim retribuir a visita e parece que vou voltar.
Bjs.
que medo!
aushaushua
bjo... saudades ^^
Paula Rego é a maior pintora portuguesa viva. Vive em Inglaterra e tem uma sala só com obras dela na Tate Gallery, em Londres.
A reprodução do quadro que aqui está não é das melhores. Não respeita as cores originais do quadro que são soberbas.
Não conhecia este poema de José Fanha.
O que eu aprendo com os nossos irmãos brasileiros não está escrito.
Obrigado.
muito boa a poesia!
quando eu era pequena o que me rendeu semanas de dormir no quarto dos meus pais, foi o aparecimento do chupa cabras, ate hoje tenho medo dessa história =) rs
ps: brigada pelo elogio no meu blog, que bom que gostou ( nada é por acaso né )
beijos
Gostei...:)
beijinho grande e sorriso*
Grande entrada, Bruno. Vi há uns meses uma exposição de Paula Rego no Museu Reina Sofía, em Madrid. É de arrepiar. E o poema assenta-lhe que nem uma luva. Abraço, um beijo à Sammia.
Postar um comentário