domingo, 17 de fevereiro de 2008

A Mulher Cão

Lembro-me, quando tinha apenas 9 anos de idade. Assisti a uma reportagem que mostrava cenas de uma "Mulher Cão". Aquilo me aterrorizou, a mulher se mordia e atacava quem estivesse por perto. Se não me engano foram 2 semanas dormindo no quarto dos meus pais. Quando encontrei essa postagem, a nostalgia daquele dia me bateu, a divido com vocês.


Paula Rego , “Mulher-Cão”, Pastel de Óleo, 1994, Tate Gallery

A Mulher Cão.
(Sobre um quadro de Paula Rego)

Ela acendeu a brasa do fogão
anos e anos a fio. Esfregou o soalho
lavou a roupa e os vidros
da janela costurou bainhas
descosidas e levou toalhas a cheirar
a rosmaninho à senhora do andar
de cima.

Foi ao quintal buscar hortelã
para a canja e adormeceu ao som
das gargalhadas felizes dos meninos
hoje já todos engenheiros
com a Graça do Senhor.

Agora está atada ao côncavo
da terra por atilhos
grossos. Ladra à lua
e tudo nela
é carne e sangue.

Morde a mão
e dança a valsa
sobre o chão confuso
de algum sonho diluído lá no longe
nos botões do maestro
do coreto aos domingos e feriados.

Ela é grossa e ladra à lua.
Sente o corpo a crepitar
e rasga o coração.

Inesperadamente
entre coágulos de sangue
fala línguas
que nunca ninguém lhe ensinou.

Está atada
à sangrenta forja
das gramáticas lunares e procura
uma palavra
um nome mesmo que obscuro
e difícil de entender.

É uma mulher grossa
e no côncavo do corpo
fala línguas
sem sentido.

Deixou secar os coentros
a salsa e a hortelã.

Chama-se cão e ladra à lua.

Vive atada
às chamas que a consomem.

de: José Fanha, Marinheiro de outras luas
Fonte: baby lónia.

8 comentários:

André Rodrigues disse...

concidência ou não velho!não sei se tem a ver, mas o cão ta rondando

Unknown disse...

Agora entendi seu trauma.
Credo! O.o

Será que ainda tem essa guria aí viva rosnando?

Mad disse...

Beleza de quadro e de poema. Gostei. Vim retribuir a visita e parece que vou voltar.
Bjs.

Unknown disse...

que medo!
aushaushua


bjo... saudades ^^

Dona Betã disse...

Paula Rego é a maior pintora portuguesa viva. Vive em Inglaterra e tem uma sala só com obras dela na Tate Gallery, em Londres.
A reprodução do quadro que aqui está não é das melhores. Não respeita as cores originais do quadro que são soberbas.
Não conhecia este poema de José Fanha.
O que eu aprendo com os nossos irmãos brasileiros não está escrito.
Obrigado.

Anônimo disse...

muito boa a poesia!
quando eu era pequena o que me rendeu semanas de dormir no quarto dos meus pais, foi o aparecimento do chupa cabras, ate hoje tenho medo dessa história =) rs

ps: brigada pelo elogio no meu blog, que bom que gostou ( nada é por acaso né )

beijos

Por entre o luar disse...

Gostei...:)

beijinho grande e sorriso*

Huckleberry Friend disse...

Grande entrada, Bruno. Vi há uns meses uma exposição de Paula Rego no Museu Reina Sofía, em Madrid. É de arrepiar. E o poema assenta-lhe que nem uma luva. Abraço, um beijo à Sammia.